Encontrei na Internet (passo o link abaixo) um brilhante texto refutando todas as falácias do retrógrado compositor Fernando Brandt sobre Direitos Autorais.
Abaixo, o Ctrl+V do texto:
Fernando Brant e sua Contra-Reforma.
Por Pedro Germano Leal
‘O autor existe’, com bastante boa vontade eu faço uma suspensão de juízo e concordo, só pra ler o que me espera:
--- o direito autoral é uma conquista da civilização, o contrário é a barbárie.
Vamos lá: Fernando Brant tenta esconder aqui qual a razão deste
manifesto. E por que? Porque ele tem o interesse de usá-lo para
fundamentar argumentos alheios a ele (oportunamente ocultos), na defesa
da Contra-Reforma da Lei dos Direitos Autorais.
Para defender sua posição, chega ao cúmulo de dizer que o contrário do direito autoral é a barbárie. Será mesmo?
Será que William Shakespeare preocupou-se com direitos autorais
quando fez seu Romeu e Julieta? Johann Sebastian Bach por acaso ‘pagou
os direitos’ ao musicar suas missas, ou reelaborar as fugas? Quanto foi
pago a Leonardo da Vinci pelas infindas cópias de sua Monalisa? Qual foi
o contrato de Platão pelos seus diálogos? Quanto foi pago ao autor da
escrita para que nós fizéssemos uso da mesma? Quanto terá pago Virgílio
por usar motes da Odisséia de Homero? E em quanto foi condenado Camões
por fazer o mesmo com Virgílio? A quem tiveram os egípcios que enviar a
solicitação para construir os templos e pirâmides que atravessaram eras?
Quanto devemos aos franceses por usar seu modelo de República?
Numa simples frase, Fernando Brant consegue condenar a própria
civilização à total barbárie, só para lançar um argumento ‘de
(d)efeito’! De todas as defesas feitas aos privilégios das leis de
direito autoral, esta é o mais abjeta e patética. Brant esconde, de
propósito, o fato de que as leis de direito autoral não são tão antigas
quanto ele suspeita, e que seu contrário não é a barbárie: afinal, entre
Brant e Mozart, prefiro o bárbaro!
Veja-se que a lógica do direito autoral só vale para os privilegiados
que entendem que seu trabalho é diferente dos demais. Querem um
exemplo? Um sujeito “A” exige que se pague os direitos pelas músicas que
compõe (a cada vez que sejam executadas publicamente). Mas ele paga
direitos ao Luthier que fez seu instrumento (qualquer que seja) a cada
vez ele o soa? Não. O sujeito que faz seus instrumentos é portanto
bárbaro, a ponto de não merecer as benesses da civilização? Brant paga
ao arquiteto da sua casa cada vez que entra lá para dormir? Paga também a
quem produziu os tijolos?
Vamos adiante:
--- o direito autoral é um dos direitos humanos (carta da ONU).
E...? Ninguém disse o contrário!
--- ao autor pertence o direito exclusivo de utilizar sua obra (cláusula pétrea de nossa Constituição).
Não é verdade. Se fosse, não seriam grandes gravadoras que deteriam
os direitos de autores, até mesmo quando decidem não mais publicá-lo. Se
o Direito Autoral existe, deveria servir para defender os autores e os
consumidores do seu trabalho, desses contratos vergonhosos impostos
pelos grandes selos – e isso, para começar.
--- o direito autoral é um direito privado.
Esta é uma falácia do tipo dicto simpliciter. A coisa é muito mais
ampla e complexa, e não há espaço aqui para dar uma aula de direito ao
Brant (embora necessária).
--- somos capazes de criar e administrar o que nos pertence. para isso, não precisamos da mão do Estado.
O libelo neoliberal é hilário. Padece daquilo que sofre todo discurso
liberal: tá certo, vocês não precisam do Estado, mas quando dá
problema, a quem vão pedir? Por que Brant então defende a Lei Rouanet?
Por que precisa do Estado?
E mais, agora cada classe no país vai administrar e criar o que lhe
pertence. Ahã... E por que Brant inicia sua exposição citando a
Constituição e os Direitos Humanos? Se eles podem administrar o que lhes
pertence é o Estado quem garante essa segurança.
--- há dois lados na questão: o criador que quer receber e empresas que não querem pagar.
Errado. Brant esquece aqui – e de propósito – que há um terceiro
lado: o do consumidor de bens culturais, amparados pelas mesmas cartas
que ele cita.
--- para resolver isso, a Justiça e o Estado podem e devem colaborar.
Aqui beiramos o ridículo: a Justiça “pode colaborar”? Como Brant vai
resolver um impasse? Vai fazer ‘justiça com as próprias mãos’? O sujeito
gasta tinta dizendo que o direito autoral é um ‘direito’, que está
entre os ‘direitos humanos’ e na ‘constituição’, para depois dizer que a
Justiça e o Estado são acessórios! Com uma contradição dessas, espera o
Brant ser levado a sério?
--- a lei atual protege os criadores no mundo real e no virtual. ela pode ser melhorada e aprimorada.
Isso é óbvio, e não se aplica apenas aos direitos autorais.
--- o que se passa na internet em relação ao direito autoral é
transitório a tecnologia que cria supostos conflitos os resolverá.
Além de profeta, o Leonardo faz o quê? Ora! O que se passa na
internet é tão transitório quanto o próprio direito autoral. Tudo é
transitório. Brant não é capaz de perceber isso porque só entende haver
civilização a partir do surgimento do direito autoral. E isso restringe
enormemente sua capacidade de reconhecer a transitoriedade das coisas.
Segundo um ‘bárbaro’ grego: ‘nunca se passa duas vezes pelo mesmo rio’.
--- todos os autores têm de ter à sua disposição todas as informações sobre o que se arrecada e se distribui.
Pronto, concordamos! Mas acredito que ninguém discorda disso! Mas aí
tem um problema: se Brant diz que ‘nós’ somos capazes de gerir e
administrar os direitos autorais sem a ajuda do Estado, por que é que os
autores não têm essa informação à disposição? Será mesmo que Brant não
reconhece a profunda contradição que existe aí, ou simplesmente finge
que não vê?
--- essa comunicação tem de ser pública e oferecida, também, ao Ministério da Cultura.
Afinal, ele é só um acessório, que segundo o Brant só serve para dar
dinheiro através da Rouanet, e pronto. Privilegiar uma classe de pessoas
ao invés de criar uma política que estenda o acesso a cultura como um
direito de todos os cidadãos. Não vejo Brant dizer nada contra o uso do
dinheiro público para bancar produções que depois não estarão
disponíveis ao público (embolsando, inclusive, as bilheterias, etc.). Se
é essa a visão do Brant de política cultural, faz bem ao país e aqueles
que acreditem no direito à cultura, ficar longe dessa pequeneza
neoliberal.
Quem determina que 'tem que ser' é a lei. E quem institui a lei é o
Estado. Quer dizer, mais uma contradição aí, para quem trata o Estado
como acessório.
--- a função social da arte é espalhar beleza e prazer estético para a humanidade.
Entendi... Além de brilhante historiador, jurisprudente, consultor e
profeta, Brant é teórico da arte, também. E consegue sintetizá-la na
mais medíocre acepção. Para ele a função social da arte não difere, por
exemplo, da função social de uma foto pornográfica, ou uma paisagem
bonita. É assustador.
Brant certamente joga no lixo o que pensam outros artistas que
fizeram de sua arte a razão de sua existência, que expressaram através
dela a dor e a revolta, a miséria humana. Com essa definição da função
social da arte, Brant é incapaz de ver a diferença entre Disneyworld e
Édipo Rei. E ainda é ‘consultor’... Quem tem um consultor desse não
precisa de detrator.
--- a obrigação de tornar a cultura acessível a todos é do Estado, sem prejudicar o autor.
Ou seja, o Estado tem a obrigação de comprar, aquilo que o Brant
defende que ele teve também de pagar para ser feito. Só isso. É
realmente um gênio da classe dos ‘produtores culturais’ que não produzem
cultura alguma. Brant, como teórico do Direito, acaba de criar o único
direito inflexível, que não esteja sujeito a um direito maior.
--- O raciocínio de Brant é tão limitado, que é fácil fazer um diagnóstico:
A civilização só existe a partir da lei de direito autoral (!); o
Estado serve para bancar produções autorais, e nada além, devendo depois
comprar pelo preço que sugerem os autores (!); os problemas com direito
autoral na internet são transitórios, mas o resto do universo, não.
Quer dizer, suas premissas só valem para aquilo que ele determina! A
função do Estado e da Justiça (como se fossem coisas diferentes) só deve
ir até onde ele quer, e esse limite é o privilégio. O que os defensores
da Contra-Reforma da LDA querem é a manutenção de um privilégio, às
custas do estabelecimento de um direito, que está previsto nas mesmas
fontes que Brant cita, mas que ele é capaz de ignorar – tal como ignora,
para satisfazer seus pobres argumentos, a História da Humanidade, e a
função social da arte.
Como bom liberal que é, ele e seus asseclas deveriam bancar sua
punheta artística, de espalhar beleza e prazer estético, com o dinheiro
de seus papais e mamães, e não com o dinheiro público.
O link da postagem original é este:
http://www.advivo.com.br/comentario/re-a-mudanca-na-lei-de-direitos-autorais-inglesa-29